Em entrevista ao CPTEn, professor Yongli Li, da NCEPU, analisa potencial do Hidrogênio para geração de energia
A Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp contou com a presença do Professor Yongli Li, Diretor do Instituto de Tecnologia para Energia Limpa, da Universidade de Energia Elétrica do Norte da China (North China Electric Power University – NCEPU), que proferiu a palestra “Hydrogen energy development and hydrogen production by water electrolysis” (Desenvolvimento de energia de hidrogênio e produção de hidrogênio por eletrólise da água). A atividade ocorreu em 27 de junho.

Com a Sala da Congregação cheia para escutar o professor Li, o Prof. Luiz Carlos Pereira, diretor do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) e coordenador do Campus Sustentável, falou da importância da parceria entre a NCEPU e a Unicamp, comentando como as maiores possibilidades de cooperação científica no momento são com a China. Junto dele, esteve a Professora Marlise Furlan, da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP), que relembrou a importância de se enfrentar as questões energéticas e buscar soluções sustentáveis aplicáveis no mundo.
Antes de entrar no tema da palestra, o Prof. Li mostrou algumas informações sobre o sistema de ensino superior na China, e a relação do Ministério de Educação chinês com as universidades locais, estabelecida dentro de um conselho envolvendo as maiores instituições de ensino relacionadas à geração de energia do país e empresas do setor. Em seguida, apresentou a NCEPU e o Instituto pelo qual ele é responsável. Localizada em Pequim, essa universidade foi criada em 1958 e esteve inserida tanto no programa antigo de atualização e melhoria do ensino superior (denominado Projeto 211), como o seu substituto (Double First-Class), vigente desde 2017, e que é utilizado para a classificação geral das universidades no país. Atualmente, a NCEPU é uma das mais prestigiadas no mundo, com grande cooperação internacional e alta exigência na seleção de estudantes, conforme apontado por ele.

O Instituto de Tecnologia para Energia Limpa foi fundado em 2021, e divide-se na pesquisa sobre baterias (materiais avançados, supercapacitores, reciclagem e armazenamento termal) e produção de hidrogênio (focado na eletrólise da água, revestimentos resistentes à corrosão, transporte, microrreatores, células de combustível a base de hidrogênio, etc). Mais recentemente, o Prof. Li também foi o responsável pela abertura de um novo departamento em 2024, de Energia Química. Em relação à sua formação, ele comentou que o fato de ter passado por diversas universidades diferentes ao longo dos anos o ajudou a construir uma rede sólida de parcerias, com registros de dezenas de patentes e de publicações internacionais relevantes.
A palestra também mostrou um panorama do setor energético, com uma breve descrição sobre o status atual e os desafios acerca das reservas de combustíveis fósseis, sua exploração, impactos climáticos e ecológicos e os conflitos geopolíticos envolvidos. Como a China é rica em carvão, uma fonte não renovável altamente poluente, ela vem buscando investir cada vez mais, conforme o professor confirmou depois em entrevista (mais abaixo). Tanto que, no fim de 2024, as fontes de energia limpa (solar, eólica, e hidrelétrica) já contabilizam quase 55% da capacidade de geração total chinesa. A expectativa é que esse percentual aumente, uma vez que a China pretende diminuir ainda mais suas emissões de gases do efeito estufa até 2030, buscando a neutralidade em 2060, previstos no compromisso do país oriental para o clima.

Sobre isso, o hidrogênio se destaca por ser versátil em suas aplicações como armazenamento de energia, além de apresentar alta eficiência energética, enquanto emite menos carbono. Tanto que sua demanda pode atingir 520 milhões de toneladas até 2050, o que justifica o interesse de países como Japão, Coréia do Norte, EUA, Brasil e da União Europeia em investir mais nessa tecnologia estratégica, assim como a China. Por exemplo, o projeto específico da NCEPU sobre produção de hidrogênio por sistema PEMWE (Proton Exchange Membrane Water Electrolysis, ou em português), iniciado em 2022, vai receber um aporte financeiro de 140 milhões RMB (renmibi, a moeda popular chinesa) até o seu final, em 2026, o que representa quase 108 milhões de reais.
Mas o processo de desenvolvimento completo do hidrogênio (a partir da eletrólise da água, ou seja, pela quebra da molécula de água por uma corrente elétrica) existe apenas em fase de demonstração ainda, segundo o professor. Enquanto esse tipo de produção está sendo foco de pesquisas na NCEPU, dentre outras universidades, demais origens do hidrogênio já são conhecidas, como os combustíveis fósseis, compostos químicos brutos e gás industrial residual. Porém o seu armazenamento, transporte e utilização também precisam de mais atenção, representando possibilidades de investigação futuras, como no aquecimento de plantas industriais.
Hoje, o custo atrelado à produção de hidrogênio por eletrólise da água é considerado um impedimento para sua expansão fora do ambiente laboratorial, mas estudos indicam que o potencial de crescimento dessa tecnologia a partir de fontes limpas vale o investimento, com quantidades estimadas entre 37-42 milhões de toneladas produzidos por ano para 2030 e 100-180 milhões por ano até 2060, tendo a eletrólise da água como a possível responsável pelo seu principal método de produção. Além do PEMWE, que também pode utilizar a água do mar, ele também explicou como são os outros sistemas de geração de hidrogênio, como Alkaline Water Electrolysis (AWE), Anion Exchange Water Electrolysis (AEMWE) e Solid Oxide Electrolyzer Cell (SOEC), suas características, desvantagens, bem como os benefícios, e a diferença existente entre as denominações dos tipos de hidrogênio (verde, azul, cinza), relacionado à origem da energia e, consequentemente à sua emissão de carbono total.
Veja a palestra na íntegra na gravação disponível no canal do Campus Sustentável no YouTube:
Leia mais sobre o tema na entrevista a seguir concedida ao CPTEn:
A China emergiu como um dos países que mais investem em energia limpa no mundo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), o país investirá 675 bilhões de dólares até 2025, ultrapassando os EUA e a União Europeia. Você acompanhou o processo de transição da China para tecnologias de energia limpa?
Sim, tenho acompanhado o progresso, pois ele influencia bastante as tendência de desenvolvimento em pesquisa e tecnologia relacionadas à energia.
Como isso aconteceu? Quais setores são considerados essenciais atualmente?
A China estabeleceu e anunciou metas de “dual carbon” em 2020. Para atingir essas metas, uma combinação de medidas foi tomada. Em termos de políticas, o 14º Plano Quinquenal para o Desenvolvimento de Energias Renováveis propôs que a proporção do consumo de energia não fóssil atingisse cerca de 20% até 2025, e que a capacidade instalada de energia limpa representasse 58,2%.
Em termos de legais e regulatórios, a Lei de Energia da República Popular da China, em vigor em 1º de janeiro de 2025, incluiu pela primeira vez o hidrogênio como fonte de energia, juntamente com o carvão, o petróleo e o gás natural, para gestão, promovendo o desenvolvimento de alta qualidade da indústria de energia de hidrogênio.
Quanto aos mecanismos de mercado, estão sendo feitos esforços para avançar na construção de um mercado nacional de carbono, abrangendo múltiplos setores e fortalecendo a gestão de carbono em todo o ciclo de vida. A reforma das transações orientadas para o mercado de eletricidade também está sendo impulsionada, permitindo que o mercado participe da definição do seu preço. Foi criado um Fundo Nacional de Desenvolvimento Verde e emitidos títulos verdes para apoiar projetos de energia limpa e de baixo carbono.
No campo da inovação tecnológica, a China está aumentando continuamente o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para tecnologias de energia limpa, como hidrogênio, armazenamento de energia e captura, utilização e estocagem de carbono (CCUS), promovendo a industrialização dessas tecnologias.
Nesse contexto, qual a importância das universidades? Qual o papel da North China Electric Power?
As universidades geralmente se concentram em pesquisas fundamentais e avanços em tecnologias-chave no setor de energia limpa. Elas conduzem pesquisas sistemáticas sobre desenvolvimento de novas energias, tecnologias de armazenamento de energia, conversão de baixo carbono e outras áreas, promovendo inovações em métodos de produção e utilização de energia. Ao mesmo tempo, a cooperação com empresas facilita a tradução dos resultados da pesquisa, permitindo que tecnologias laboratoriais sejam gradualmente aplicadas na indústria e fornecendo suporte técnico para a transformação da matriz energética.
Um papel importante das universidades é a educação. Se ensinarmos ou treinarmos os alunos para que adquiram os conhecimentos e tecnologias mais recentes, será mais fácil para eles se adaptarem à futura carreira. A NCEPU está diretamente subordinada ao Ministério da Educação da China. Ela tem se envolvido profundamente no desenvolvimento tecnológico do setor energético da China. Foi cofundada pelo Ministério da Educação e por um conselho composto por 12 grandes grupos estatais de energia e pelo Conselho de Eletricidade da China. Entre eles, a State Grid Corporation of China e a China Southern Power Grid cobrem mais de 90% das redes de transmissão e distribuição de energia do país. A capacidade instalada dos cinco grupos a seguir no conselho, China Huaneng Group, China Datang Corporation, China Huadian Corporation, National Energy Group e State Power Investment Corporation, representa 44%, 47%, 33%, 11% e 55% da geração total de energia nacional, energia térmica, hidrelétrica, nuclear e eólica, respectivamente. Essas empresas do conselho não apenas dominam os setores energéticos tradicionais (carvão, hidrelétricas, energia nuclear), como também ocupam posições de liderança em setores emergentes de energia, como energia eólica, fotovoltaica e seu armazenamento. Por exemplo, a China Three Gorges Corporation é a maior desenvolvedora e operadora de energia hidrelétrica do mundo, e a State Power Investment Corporation ocupa o primeiro lugar no mundo em termos de capacidade fotovoltaica instalada. É por isso que a NCEPU mantém boas conexões e colaborações com as indústrias de energia e energia na China.
Muitos dos membros do corpo docente fazem parte de think tanks, fornecendo sugestões e soluções para a formulação de políticas energéticas nacionais, e participaram como membros-chave no desenvolvimento de muitas normas chinesas. Desde 2020, a universidade realizou 11 projetos do Programa Nacional de P&D em áreas como energias renováveis, utilização limpa e eficiente de carvão e tecnologias de energia de hidrogênio.
Para formar alunos com o conhecimento mais atualizado em áreas relacionadas à energia, a NCEPU é uma das primeiras universidades chinesas a lançar programas de graduação em Ciência e Engenharia de Energia do Hidrogênio, Ciência e Engenharia de Armazenamento de Energia, Ciência e Engenharia de Armazenamento de Carbono, etc.
Com base na palestra, é possível assumir que, em sua visão, o custo é o principal problema para a instalação de tecnologias de hidrogênio em nível industrial. Quanto tempo você acha que levará para superar esse problema?
Na minha palestra, o tema foi relacionado à produção de hidrogênio por eletrólise da água, especialmente para Eletrólise da Água por Membrana de Troca de Prótons (PEMWE). O principal problema da PEMWE no momento é o custo, como o uso de materiais de metais nobres nos catalisadores e revestimentos protetores. É difícil dizer quanto tempo levará para superar essa barreira. A redução dos custos depende do avanço da tecnologia PEMWE, mas a descoberta de bons materiais às vezes ocorre por acaso. Também é possível que outras tecnologias de eletrólise avancem mais rapidamente e substituam a PEMWE, tornando irrelevante a redução de seus custos. O preço também depende da escala: o aumento da capacidade instalada pode reduzir significativamente os custos. Além da produção, a cadeia do hidrogênio abrange outros tópicos, como armazenamento, transporte e uso do hidrogênio. Cada etapa enfrenta desafios diferentes, mas acredito que o custo seja um dos principais. Por exemplo, o armazenamento de hidrogênio em estado sólido envolve exige materiais caros; os dutos para transporte de hidrogênio dependem de uma infraestrutura que geralmente é muito cara. Além disso, toda a cadeia deve considerar a segurança durante o desenvolvimento e operação dos sistemas, o que também eleva os custos.
Qual é o potencial do hidrogênio como fonte de energia? Quais são as vantagens e outros desafios?
O hidrogênio, como fonte de energia, tem um bom potencial. Ele pode desempenhar um importante papel de ponte na transição para energias limpas.
A eletrólise da água é uma boa forma para converter energia elétrica em energia química. Esse processo pode ser realizado com água abundante e fácil de encontrar na Terra, alimentada por eletricidade produzida a partir de energias renováveis, como sistemas eólicos e solares fotovoltaicos. A transição energética é, portanto, limpa e renovável. Atualmente, muitos pesquisadores investigam a eletrólise da água do mar. Se a tecnologia amadurecer no futuro, o processo não será limitado por recursos materiais. O hidrogênio pode ser usado diretamente em células a combustível ou convertido em amônia, metanol, combustíveis sustentáveis para aviação, etc. Todo o processo é sustentável.
No entanto, a maioria das tecnologias avançadas ainda está em fase de pesquisa laboratorial ou demonstração em pequena escala. Existem questões em quase todos os elos da cadeia de hidrogênio, especialmente no seu armazenamento e transporte.
O armazenamento de hidrogênio em alta pressão, por exemplo, consome energia devido ao processo de compressão. Para economizar essa parte da energia, é necessário desenvolver uma PEMWE de alta pressão, que produza hidrogênio a 70 Mpa diretamente após o eletrolisador, mas os desafios se concentram na etapa de produção.
O armazenamento de hidrogênio em líquidos orgânicos enfrenta problemas como ciclo de vida curto, alto consumo energético na desidrogenação, e custo elevado dos catalisadores. As reações geralmente apresentam baixa eficiência devido ao equilíbrio termodinâmico ou cinética lenta. Isso significa processos adicionais de separação e na necessidade de tratamento resíduos. Ao mesmo tempo, parte da energia do hidrogênio é perdida devido à geração de subprodutos.
O hidrogênio é propenso a vazamentos, o que pode causar danos ao equipamento e até mesmo acidentes, pela sua fragilização.
Na sua opinião, qual é o potencial do Brasil no setor de energia limpa? Existem setores de interesse para a China? (Em termos de estabelecimento de parcerias e investimentos no Brasil?)
Como segundo maior produtor mundial de etanol e líder global em bioenergia, o Brasil aproveita seus vastos recursos agrícolas e tecnologias de conversão maduras para transformar biomassa em eletricidade e biocombustíveis. A energia hidrelétrica é outro pilar da matriz energética brasileira, e o país acumulou vasta experiência em projetos de grande porte. A China Three Gorges Corporation aprendeu muito com a expertise do Brasil nessa área, especialmente durante sua cooperação em grandes projetos hidrelétricos. Essa troca de conhecimento demonstra a forte complementaridade entre os dois países.
O Brasil também demonstra um crescimento significativo em capacidade solar e eólica, além do promissor desenvolvimento do hidrogênio verde. Contudo, ele ainda enfrenta problemas, particularmente em termos de sua infraestrutura de rede elétrica, que permanece relativamente fraca e fragmentada. A China possui experiência de liderança mundial em tecnologias de transmissão de ultra-alta tensão e gerenciamento de rede. Ao fortalecer a cooperação na modernização da rede e na transmissão de energia, China e Brasil podem trabalhar juntos para aumentar a segurança energética, apoiar a integração de energias renováveis e impulsionar o desenvolvimento sustentável. Além disso, há grande potencial de cooperação em projetos de cogeração de biomassa, particularmente no desenvolvimento de sistemas combinados de calor e energia ou na produção de biogás a partir de resíduos agrícolas. Empresas chinesas com experiência em tecnologias de energia circular e conversão de resíduos em energia estão bem posicionadas para encontrar oportunidades promissoras no setor de bioenergia do Brasil.
A China e o Brasil podem ser bons parceiros para o desenvolvimento de novas energias em termos de pesquisa, tecnologia, recursos, marketing, finanças, etc.
O que você acha das pesquisas e dos trabalhos desenvolvidos pela Unicamp e pela CPTEn?
A Unicamp e CPTEn estão conduzindo um trabalho realmente impressionante na transição energética do Brasil. Suas pesquisas demonstram força particular nas três seguintes áreas-chave:
Primeiramente, destaca-se sua liderança em microrredes elétricas e soluções de campus inteligentes. A transformação da Unicamp em um campus 100% LED com energia fotovoltaica integrada é impressionante. Especialmente, seu modelo de campus sustentável, que estabelece um padrão.
Em segundo lugar, seus avanços na valorização da biomassa merecem reconhecimento. Ao converter resíduos agrícolas, como o bagaço da cana-de-açúcar, em biogás, biometano e, crucialmente, hidrogênio verde por meio da eletrólise, estabelece-se caminhos escaláveis para sistemas energéticos circulares.
Em terceiro lugar, seu trabalho prospectivo em mobilidade sustentável mostra-se excepcionalmente promissor, como o incentivo ao uso de veículos a hidrogênio e ônibus elétricos.
Isso não apenas fortalece a transição energética do Brasil, mas também serve de modelo para desafios energéticos globais semelhantes.
Reportagem e entrevista: Maria Carolina Ribeiro (pós-doutoranda em Educação e Difusão do Conhecimento CPTEn/PRP Unicamp)
Fotos e apoio na transmissão: Julia Devito (bolsista Jornalismo Científico CPTEn/Fapesp)