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Fala, Pesquisador: A Transição Energética Justa que Começa no Campus

Entrevista com professor Luiz Carlos Pereira da Silva

Por Lira Luz Benites Lazaro – pesquisadora CPTEn

A transição energética tornou-se um dos temas centrais da agenda climática global, especialmente diante da aproximação da COP30, que será sediada no Brasil, em Belém do Pará. Mais do que uma questão tecnológica, trata-se de um processo social, econômico e institucional, que exige engajamento de diversos atores — incluindo universidades, governos e comunidades.

Neste contexto, as instituições de ensino superior assumem um papel estratégico: transformar conhecimento científico em soluções práticas para reduzir emissões, ampliar o acesso à energia e fortalecer políticas públicas locais.

Na primeira edição da série “Fala, Pesquisador!”, Luiz Carlos Silva fala das experiências de integração entre pesquisa acadêmica e inovação tecnológica do campus

 

Nessa perspectiva, Luiz Carlos Pereira da Silva, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp e diretor do Centro Paulista de Estudos de Transição Energética (CPTEn) e do Escritório Campus Sustentável da Unicamp, fala das experiências de referência nacional na integração entre pesquisa acadêmica, inovação tecnológica e ações de extensão voltadas à sustentabilidade energética.

A Universidade como Laboratório Vivo da Transição Energética

Luiz Carlos enfatiza que a universidade deve ser entendida como um “laboratório vivo”, capaz de experimentar internamente as transformações que propõe à sociedade. “A ideia sempre foi realizar dentro da universidade uma transição energética acelerada, com ações de impacto e contínuas, buscando ter cada vez mais uma universidade sustentável”, explica.

Nos últimos dez anos, o Escritório Campus Sustentável da Unicamp consolidou uma trajetória exemplar de gestão energética, modernizando sistemas de iluminação, climatização e geração fotovoltaica. O resultado é uma redução constante no consumo de energia elétrica, mesmo com a expansão física e populacional da universidade. Essa experiência demonstra que é possível articular eficiência energética, inovação tecnológica e governança ambiental dentro do ambiente universitário, servindo de modelo replicável para instituições públicas em todo o país.

Do Campus à Sociedade: Replicando o Conhecimento

O CPTEn, apoiado pela Fapesp, pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística e por parceiros da iniciativa privada, nasceu com o propósito de transbordar o conhecimento acadêmico para além dos muros universitários. O centro atua no desenvolvimento de metodologias, capacitação técnica e projetos de energia renovável voltados a municípios e gestores públicos. “O que fazemos na Unicamp poderia ser replicado em escolas, hospitais e prédios públicos. É possível melhorar muito a gestão de energia, trazendo benefícios ambientais, sociais e econômicos”, destaca Luiz Carlos.

Experiências desenvolvidas na Unicamp tornam a instituição uma referência em governança energética pública, demonstrando como as universidades podem liderar políticas de transoção justa e sustentável

 

Um dos exemplos é o modelo de contratação de energia no mercado livre, que gera uma economia anual de cerca de R$ 10 milhões para a universidade. Essa experiência revela o potencial de inovação em gestão pública de energia, ainda pouco explorado por estados e municípios brasileiros. Assim, a Unicamp torna-se referência em governança energética pública, demonstrando como as universidades podem liderar políticas de transição justa e sustentável.

Inclusão Energética e Combate à Pobreza

A transição energética, segundo Luiz Carlos, não deve ser compreendida apenas como uma mudança de matriz energética, mas também como uma estratégia de justiça social. Projetos como Olhos no Futuro e parcerias com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), no Estado do Amazonas, buscam levar energia renovável e capacitação técnica a comunidades periféricas e isoladas. “Ainda há cerca de um milhão de pessoas sem acesso à energia no Brasil, e milhões que não conseguem pagar a conta de luz. Esse é também um aspecto da pobreza energética”, ressalta Luiz Carlos.

Essas iniciativas de extensão universitária articulam educação ambiental, formação técnica e inclusão energética, mostrando que a transição justa exige também democratização do acesso e empoderamento comunitário.

Parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), no Estado do Amazonas, busca levar energia renovável e capacitação técnica a comunidades periféricas e isoladas.

 

Políticas Públicas e o Desafio da Capacitação

Entre os maiores desafios para expandir a transição energética no Brasil, o professor destaca a falta de capacitação técnica e institucional nas comunidades e nos municípios. “Há uma grande carência de formação e requalificação de profissionais nos governos locais. A universidade pode contribuir oferecendo conhecimento aplicado para melhorar a gestão de energia pública.”

A atuação do CPTEn nesse campo revela uma lacuna importante nas políticas públicas: embora programas como Luz para Todos e Tarifa Social tenham ampliado o acesso à energia, a governança local e a capacidade técnica municipal ainda são limitadas. A aproximação entre universidade, governo e sociedade é, portanto, essencial para a consolidação de uma transição energética descentralizada, equitativa e participativa.

 A COP30 e a Esperança de Implementação

Com a realização da COP30 em Belém, Luiz Carlos expressa tanto otimismo quanto senso de urgência. “Cada COP traz uma esperança de que finalmente chegaremos à fase de implementação das medidas necessárias. Não há mais tempo a perder.”

Ele destaca que o Brasil, com sua matriz elétrica renovável e diversidade de fontes — hidrelétrica, solar, eólica, biomassa e bioenergia —, tem condições de exercer liderança global. No entanto, ainda precisa avançar em áreas como armazenamento de energia, mobilidade elétrica e eficiência energética industrial.

Matriz elétrica renovável e diversidade de fontes de energia dão ao Brasil condições de exercer liderança global na transição energética

 

A escolha da Amazônia como sede da COP é vista como simbólica e transformadora, um convite para que o debate sobre energia e sustentabilidade se reconecte aos territórios e populações que mais sofrem com os impactos climáticos.

Um Chamado para Ação

Luiz Carlos reforça que o papel da universidade é produzir ciência comprometida com o bem comum: “A universidade não pode ser uma bolha. Ela precisa transbordar seus muros, dialogar com a sociedade, com o governo e com as empresas, contribuindo para uma transição energética justa, inclusiva e sustentável.”

O exemplo da Unicamp — por meio do CPTEn e do Campus Sustentável — revela que o conhecimento, quando aplicado de forma colaborativa, pode redefinir práticas públicas, inspirar políticas nacionais e impulsionar uma nova cultura energética.

A transição energética justa emerge da articulação entre o global e o local — entre os compromissos assumidos em arenas internacionais de negociação climática e as experiências concretas desenvolvidas em universidades, comunidades e municípios. É nessa convergência que se constrói uma transformação energética capaz de promover equidade, inovação e sustentabilidade, unindo o conhecimento científico ao compromisso social.

Luiz Carlos: “A universidade não pode ser uma bolha. Ela precisa transbordar seus muros, dialogar com a sociedade, com o governo e com as empresas, contribuindo para uma transição energética justa, inclusiva e sustentável.”