Soluções tecnológicas podem reduzir perdas nas cadeias de transmissão e distribuição
Reportagem publicada no Jornal da Unicamp
Texto: Felipe Mateus
Fotos: Lúcio Camargo e Ashes Sitoula/Unsplash
Edição de imagem: Alex Calixto e Paulo Cavalheri
As perdas que ocorrem durante a transmissão e distribuição de energia elétrica provocam prejuízos para todos os integrantes da cadeia – geradoras, concessionárias de distribuição e consumidores. Segundo um relatório de 2024 publicado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as perdas representaram cerca de 14,1% da energia injetada no país em 2023. Essas perdas dividem-se entre as chamadas perdas técnicas, que ocorrem por conta da dissipação de energia durante seu transporte e medição – algo natural em qualquer sistema do tipo – e as perdas não técnicas, que podem ocorrer por conta de furtos de energia ou outros tipos de atos ilícitos. De acordo com a Aneel, dos 14,1% de perdas registradas, 7,4% deveram-se a perdas técnicas, um montante de 42 TWh (terawatt-hora), e 6,7%, a perdas não técnicas, cerca de 38,2 TWh.
Calcula-se o total de energia perdido a partir da diferença entre a energia elétrica recebida pelas distribuidoras e o montante cobrado dos consumidores. Ainda segundo a agência, o prejuízo causado pelas perdas técnicas em 2023 chegou a R$ 10,3 bilhões, enquanto as perdas não técnicas responderam por R$ 6,9 bilhões. Os efeitos desse prejuízo vão desde uma menor capacidade de investimento do lado das concessionárias até aumentos na conta de luz dos consumidores.
Na busca por soluções tecnológicas para mitigar os problemas causados por perdas de energia e outros fatores que interferem na cadeia de transmissão e distribuição, pesquisadores da Faculdade de Energia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp desenvolveram sistemas que utilizam recursos de visão computacional e de aprendizado de máquina para identificar, por meio do processamento de imagens aéreas, possíveis distúrbios nos sistemas.
O estudo propõe medidas capazes de apontar áreas onde podem estar ocorrendo casos de furto de energia, de mapear regiões onde árvores representam riscos à rede e de estimar a capacidade instalada de painéis fotovoltaicos, identificando eventuais discrepâncias em relação ao volume de geração comunicado às concessionárias. A pesquisa de mestrado responsável por esses avanços ficou a cargo de Nelson Rodrigues Silva, com orientação da professora Fernanda Arioli, integrantes do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) da Unicamp.
Nelson Rodrigues Silva, autor da pesquisa: simulações em duas áreas de Campinas, com cerca de 23 mil medidores
Luz sobre as perdas
A proposta de aplicar a visão computacional de imagens de satélite à identificação de potenciais perdas não técnicas de energia surgiu a partir da experiência adquirida por Silva na sua graduação, quando participou de projetos relacionados a essa tecnologia e à demanda crescente pela mitigação do problema, que ainda conta com poucos estudos. “As empresas dependem da prática de inspeções nos locais onde as perdas podem ocorrer, o que é muito complicado, principalmente no caso de conexões clandestinas e furtos de energia”, argumenta.
O estudo propõe um sistema no qual o número de construções identificadas nas imagens aéreas seja comparado com as coordenadas geográficas dos medidores de energia instalados pelas concessionárias. Se há uma concentração de edificações maior do que a quantidade de medidores registrados, há um indício de que a região apresenta conexões clandestinas de energia – conhecidas popularmente como “gatos”. O pesquisador explica que o algoritmo criado para as análises desconsidera construções próximas ou sobrepostas, como edículas. As simulações ocorreram em duas áreas de Campinas, com 14,5 km2 e 23 km2 de extensão, e cerca de 23 mil medidores de energia registrados no total. A primeira simulação focou a detecção de unidades consumidoras, identificando 97 locais onde as ligações tinham o potencial de serem clandestinas. Já a segunda concentrou-se na identificação de regiões inteiras com potencial de clandestinidade, obtendo o mesmo resultado.
A pesquisa também desenvolveu soluções tecnológicas para outros problemas que podem afetar os sistemas de distribuição de energia elétrica. No caso do mapeamento de áreas arborizadas que oferecem um maior risco para as redes, as árvores identificadas nas imagens são ranqueadas individualmente, considerando o perímetro de seus contornos e as características dos cabos que passam pelos locais. Essa identificação vale-se de padrões de cores, priorizando os tons de verde. O algoritmo leva em conta apenas o que se sobrepõe ao traçado das redes de energia, descartando árvores fora de contato ou outros elementos também verdes. Nos testes, os pesquisadores conseguiram detectar 97% das árvores que apresentavam algum grau de risco. “A partir disso, as concessionárias podem traçar planos de podas regulares com base no porte das árvores e no nível de risco que apresentam.”
A professora Fernanda Arioli, orientadora do estudo: processo de transmissão e distribuição mais eficiente
Já no caso da identificação e estimativa da potência de painéis fotovoltaicos, o risco está na possibilidade de a rede não suportar uma carga excessiva gerada por esses equipamentos, além de outros problemas relacionados à qualidade da energia elétrica. Silva explica que todo sistema fotovoltaico instalado deve ser objeto de um comunicado às concessionárias, que verificam se a rede local tem capacidade para suportar a energia gerada. No entanto pode haver erros nas bases de dados das distribuidoras ou casos em que, após a instalação, os consumidores aumentam a capacidade de seus painéis e não comunicam as alterações feitas, o que pode gerar sobrecargas. “Vemos os painéis instalados em telhados e partimos do pressuposto de que tudo está regular”, afirma. O sistema desenvolvido na pesquisa identifica os painéis fotovoltaicos nas imagens e estima suas áreas, o quanto isso representa de potência instalada em quilowatts-pico (KWp) e se o valor corresponde às informações registradas nas concessionárias. Nos testes, o sistema apresentou uma eficácia de 92%.
Além de oferecer às empresas do setor recursos para identificar fraudes e furtos, reduzindo prejuízos que, em parte, afetam as contas de luz do consumidor, as soluções desenvolvidas contribuem para aperfeiçoar fontes de dados, como a Base de Dados Geográfica da Distribuidora (BDGD), utilizada para estudos feitos por empresas do setor, para formular políticas públicas e também para reduzir desigualdades regionais. Segundo dados da Aneel, os índices de perdas não técnicas em alguns Estados da Região Norte do país ultrapassam os 50%. “Hoje ficamos muito preocupados em atender o aumento da demanda por energia. Mas também precisamos pensar em como tornar o processo de transmissão e distribuição mais eficiente”, defende a orientadora da pesquisa.