Skip links

Mobilidade nas cidades inteligentes – por Jurandir Fernandes

Artigo publicado no portal Hora Campinas em 22 de março de 2024

Link para a publicação original: https://horacampinas.com.br/artigo-mobilidade-nas-cidades-inteligentes-por-jurandir-fernandes/

Que tal pensarmos em cidades inteligentes analisando como elas lidam com os deslocamentos de seus cidadãos para ir trabalhar, para ir à escola ou por outro motivo qualquer?

Paris e Barcelona são lembradas como cidades onde é fácil ir de um lugar a outro. Quem se informa sobre o transporte público de Barcelona se enche de certezas para afirmar que Campinas deve urgentemente ter um metrô. Ao ler sobre Paris acabam dizendo que deveríamos fazer tudo a pé ou de bicicleta em até 15 minutos como propõe a sua prefeita.

Observem os dados abaixo onde, às cidades citadas, adicionamos Curitiba e São Paulo. Os números servem para que pensemos um pouco mais antes de propor projetos que podem virar esqueletos urbanos.

Notem a disparidade de densidade populacional entre as cidades evidenciando o impacto do automóvel e do espalhamento urbano em Campinas. Sua vasta área e baixa densidade populacional nos desafia a gerir seus espaços urbanos eficientemente. Ao circular por ela, salta aos olhos as imensas áreas não urbanizadas dentro de seu perímetro urbano. E não se trata de áreas públicas ou comunitárias. A existência delas teve e continua tendo um alto custo para a população. Milhões de reais arrecadados através de impostos foram investidos em redes de energia, água, esgoto e iluminação pública, assim como longas avenidas e viadutos foram construídos para ultrapassar estes vazios urbanos.

As tarifas de ônibus são pressionadas para cobrir os custos de longos itinerários com imensas pastagens servindo de cenário. Milhares de trabalhadores tiveram boa parte de seu tempo de vida perdido em longos trajetos para ir e vir do trabalho, enquanto alguns engordavam, além do gado, seu patrimônio em território estocado.

Obviamente, quando os proprietários dessas áreas as lotearem adotarão os preços de mercado valorizados pelos investimentos públicos realizados. Como ressarcir ao menos o que foi investido pelo estado e pago pelo trabalhador a mais para ultrapassar estas áreas estocadas deliberadamente durante décadas? Este mecanismo de estoque de áreas, principalmente rurais, à espera de investimentos públicos é clássico na literatura da especulação imobiliária. Campinas é campeã neste procedimento. A tabela acima que o diga.

Voltemos à pergunta: é inteligente uma cidade com imensos vazios urbanos separando milhares de moradores dos locais de trabalho e das escolas? Embora bucólico, não é irracional ver bois e vacas usufruindo de imensos espaços mais próximos do Centro do que conjuntos habitacionais construídos nos extremos da cidade? Isto é uma cidade inteligente ou estúpida?

O que fazer? Proibir a urbanização desses imensos espaços vazios? Não e não! Isto seria perpetuar a estupidez. Pelo contrário, estes vazios urbanos podem ser adensados, preservando-se o verde, as fontes d’água e a fauna como a legislação ambiental estabelece.

A inteligência de uma cidade não se mede apenas pela sua infraestrutura, mas também pela capacidade de promover uma vida urbana que minimize os deslocamentos desnecessários e valorize espaços de convivência. Não seria mais inteligente determinar que todo loteamento reserve espaços públicos (para creches e pequenas unidades escolares, postos de saúde e praças) além de espaços para o comércio de vizinhança (minimercados, mini farmácias), prestadores de serviço e delivering? Todos estes espaços poderiam ser negociados pelos empreendedores ou incorporados ao loteamento. Criariam empregos e renda locais, além de reduzir a necessidade de deslocamentos de seus moradores.

Há quem diz que isto afastará os empreendedores! Mas desde quando loteamentos exclusivamente residenciais enriqueceram o município?

Moradias geram renda e trabalho no momento da implantação, através do setor da construção civil, de grande importância para a economia nacional. Ninguém coloca isso em dúvida. Mas é fundamental que o nascente núcleo urbano continue a gerar emprego e renda num ambiente de maior sustentabilidade local. A ausência de atividades econômicas em comunidades isoladas gera problemas com custos sociais enormes. Jovens ali isolados, sem emprego e sem ensino médio, muitas vezes são capturados pelo tráfico. Todo gestor público deveria ter isto em conta.

A resposta sobre o que fazer tem que ser ampla, profunda e com visão de futuro. Nada de trocar investimentos de milhões de reais por pequenas contrapartidas: um ponto de ônibus aqui, um semáforo ali, um banco de jardim acolá. O retorno à cidade tem que ser proporcional à valorização que os investimentos públicos trouxeram para a área loteada.

Não há nada de revanchismo neste direito que a cidade tem em receber parte do que investiu. O empreendedor deve ser respeitado, mas deve saber que não está num ambiente de néscios e passivos cidadãos.

Jurandir Fernandes foi secretário de Transportes de Campinas e secretário de Estado dos Transportes Metropolitanos (SP). Presidiu a Emdec (Campinas), a Emplasa (São Paulo), o Denatran (Brasília) e os Conselhos de Administração do Metrô-SP, CPTM e EMTU-SP. Coordena o Grupo de Mobilidade do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo. É membro do Conselho Internacional do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (Unicamp) e do Conselho da Frente Parlamentar pelos Centros Urbanos (Brasília). É vice-presidente honorário da UITP (Bruxelas).