Iniciativa de estudantes indígenas da Unicamp busca a transição energética justa na Amazônia

Representantes do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) e do Escritório Campus Sustentável da Unicamp estiveram na última semana em São Gabriel da Cachoeira (AM), para uma capacitação voltada a 40 indígenas de comunidades atendidas pelo projeto “Sollar Rio Negro”, no recém-inaugurado Centro de Aprendizagem Indígena para a Transição Energética Justa. A conclusão da formação foi celebrada com uma cerimônia de formatura da primeira turma, realizada em 3 de outubro.
Participaram da cerimônia Luiz Carlos Pereira da Silva, diretor do CPTEn; Danúsia Ferreira Arantes, pesquisadora de pós-doutorado; Francisca Dulcineia Gomes, mestranda da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec); os estudantes indígenas da Unicamp Arlindo Baré (Feec), Nalbert Barreto (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH), Amanda Kumaruara (Faculdade de Ciências Aplicadas – FCA); e Gabriel Henrique Vieira Santos, egresso do curso Solar Fotovoltaico (Laboratório de Energia e Sistemas Fotovoltaicos – LESF/Feec).

Com o propósito de capacitar pessoas para atuar na implementação e manutenção de sistemas fotovoltaicos, o objetivo do Centro de Aprendizagem Indígena é promover a formação de indígenas que possam atuar como multiplicadores em suas comunidades, com foco na geração de energias renováveis. Neste primeiro momento, o destaque é para a fonte solar fotovoltaica das áreas remotas, auxiliando na transição energética justa no território do Rio Negro, área que não é atendida pelo Sistema Integrado Nacional (SIN). Por conta disso, as comunidades são dependentes de geradores a base de combustíveis fósseis, como o diesel, que é caro e poluente, o que provoca aumento de gases do efeito estufa na atmosfera.
A iniciativa de conceber e implementar o Centro de Aprendizagem Indígena no Rio Negro é um dos objetivos do projeto Sollar Rio Negro, Iniciação Científica (IC) de Arlindo Baré, estudo que foi iniciado na Disciplina “Grandes Temas da Atualidade: Direitos Humanos, Tecnologia e Sustentabilidade”. A proposta se desdobrou na linha de estudo e pesquisa “Ciência indígena e justiça climática: transição energética justa nos Biomas”, credenciado como projeto da Bolsa de Assistência Social (BAS) da Unicamp, que integra doze estudantes indígenas de cinco etnias e está inserida no eixo V do CPTEn – Educação, formação e capacitação para a sustentabilidade socioambiental, sob a coordenação da pesquisadora Danúsia Arantes.
Outros pesquisadores do CPTEn também integram o projeto. São eles: João Ito Cypriano (doutorando Feec); Ana Beatriz Barbosa (graduanda e bolsista de iniciação científica) e Florian Moreau (estudante de Engenharia Energética do Institut Mines-Telécon, da França, em intercâmbio na Unicamp). Eles realizaram um trabalho de campo na comunidade de São Gabriel Mirim em julho de 2025, que incluiu estudo exploratório sobre as necessidades energéticas das 12 famílias residentes na comunidade para mapear as principais demandas de geração e uso de energias renováveis e estimar o consumo médio das famílias e as áreas onde são realizadas as atividades comunitárias.

Perspectivas futuras
Essa etapa da formação continuada foi organizada e desenvolvida em parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e suas cinco coordenadorias na extensão do Território que integram 24 etnias que vivem no extremo noroeste do Brasil, no baixo, médio e alto Rio Negro. Devido à proximidade com as fronteiras da Colômbia e da Venezuela, a área é considerada estratégica para a segurança nacional, com inúmeros desafios logísticos. Apesar de ser possível chegar de avião a partir de Manaus, a maioria dos equipamentos e materiais demandados para o trabalho de campo precisaram ser transportados pelos cerca de 850 km em embarcações, que levaram em média três dias de viagem.
Conhecida como “Cabeça do Cachorro”, São Gabriel da Cachoeira destaca-se por ser o terceiro maior município brasileiro em extensão territorial. Mais notável ainda é sua riqueza sociocultural: o município possui a maior porcentagem de população indígena do país, representando 24 povos e com quatro línguas cooficiais além do português: Nheengatu, Tucano, Baniwa e o Yanomami. Além de sua importância cultural, o município é uma das áreas mais conservadas e protegidas do bioma amazônico, o que se deve, em grande parte, a sua localização em um mosaico de Terras Indígenas. Apesar disso, o problema de acesso à energia elétrica ainda é o principal empecilho para o desenvolvimento da região.
Neste contexto, o Projeto Sollar Rio Negro respeita a diversidade das culturas e dos conhecimentos tradicionais, aliado ao modelo participativo preconizado pelo Plano de Gestão Territorial (PGTA), e propõe desdobramentos para a concretização do plano de ação a ser desenvolvido pelo Centro de Aprendizagem Indígena em parceria com a FOIRN. Destacam-se os seguintes objetivos: desenvolver formação continuada para a maior quantidade possível de indígenas para atuar na montagem e manutenção de sistemas solar fotovoltaicos; formalizar a auditória energética no território para o real dimensionamento da demanda e do uso de energia da fonte solar fotovoltaica; fomentar coletivamente com os povos o currículo de aprendizagem embasado na comunidade para desenvolver formação técnica entre as comunidades indígenas em defesa do Bem Viver; fortalecer a infraestrutura comunitária e, dessa forma, contribuir para a melhoria da qualidade de vida na região dos estudos e pesquisas coletivas com a participação efetiva dos povos indígenas presentes no Território do Rio Negro.

Para o futuro, os pesquisadores esperam planejar e implementar o protótipo de uma microrrede elétrica inteligente ligada à comunidade e gerenciada pelas lideranças locais capacitadas. Dessa forma, os sistemas fotovoltaicos, interligados aos geradores existentes e ao armazenamento de energia poderão integrar os espaços comunitários e as residências, gerando mais resiliência e autonomia, buscando também a governança ambiental, com relação direta aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS) 7 – Energia Limpa e Acessível, 4 – Educação de Qualidade e 17 – Parcerias.
A realização do projeto contou com as seguintes parcerias no apoio estratégico e/ou financeiro: Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN); Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro (CAIMBRN); Instituto ANABB; Instituto Vidas da Amazônia; e as empresas Strong Power, Enerwatt, Livoltek, UCB Power, Custom Power, GHS Energia Solar, e NOVAE Consultoria e o Laboratório de Energia e Sistemas Fotovoltaicos (LESF) da Feec/Unicamp.
Confira a cerimônia de encerramento no canal da FIORN.