Autor de tese desenvolve metodologia que identifica, gerencia e mitiga as ressonâncias
Publicado originalmente no Jornal da Unicamp
Os ventos sopram a favor da diversificação da matriz elétrica brasileira. Dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) apontam que a geração de energia pela força dos ventos representa, atualmente, 13,2% da matriz nacional. São 890 parques eólicos instalados em 12 Estados, com capacidade de geração de cerca de 25 gigawatts (GW). A associação espera encerrar 2023 com 29 GW de capacidade instalada e chegar, até 2028, a cerca de 45 GW no país.
Além de promover o desenvolvimento econômico e social das áreas onde são instaladas – 85% dos parques eólicos brasileiros estão na região Nordeste –, as turbinas de energia eólica, cuja presença na matriz nacional só faz aumentar, representam uma oportunidade para impulsionar pesquisas com vistas a criar novas tecnologias e insumos para o setor.
Uma pesquisa de doutorado desenvolvida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp dedicou-se à análise de um dos problemas que podem afetar os parques eólicos, o fenômeno da ressonância. Vencedor do Prêmio Capes de Tese de 2023 na categoria Engenharias IV, o trabalho propõe uma metodologia de fácil aplicação para identificar, gerenciar e mitigar as ressonâncias. A tese é de autoria do costarriquenho Andrés de Jesús Arguello Guillén, com orientação do professor Walmir de Freitas Filho e coorientação do pesquisador Ricardo Torquato Borges.
Oscilações
A ressonância é um fenômeno físico que ocorre em oscilações, quando uma força externa é aplicada sobre um sistema em uma frequência semelhante à que ele já possui naturalmente. Como consequência, há um aumento da amplitude dessa oscilação devido ao acúmulo de força exercida. Por exemplo, quando uma criança brinca em um balanço, oscila com certa amplitude e frequência. Se nós, de forma adicional, empurrarmos o balanço na mesma frequência, o brinquedo tende a oscilar com amplitude cada vez maior. Esse efeito também acontece em sistemas elétricos.
Normalmente, o fenômeno não representa um problema, pois as redes conseguem amortecer essas oscilações. No entanto, quando uma distorção na frequência natural de oscilações aparece, o sistema pode ficar sobrecarregado. “É justamente nos casos em que ocorre a magnificação das perturbações que geradores são disparados, capacitores queimam e operações indesejadas ocorrem, prejudicando todo o sistema”, explica Guillén.
No caso dos equipamentos empregados nos sistemas eólicos, as ressonâncias podem ocorrer devido a características dos sistemas baseados na eletrônica de potência, que visam ampliar a eficiência e flexibilizar a geração de energia, reduzindo as perdas e interferências. Dependendo da forma como seus controladores são configurados, a capacidade de amortecimento da rede pode ser reduzida ou até gerar uma nova fonte de oscilações.
O estudo se ocupou da análise de dois tipos de ressonância, a chamada “instável”, que aumenta indefinidamente, sendo mais perigosa para a integridade dos sistemas, e a “fracamente amortecida” ou “harmônica”. Neste caso, a oscilação segue uma frequência e intensidade constantes, o que é menos grave no curto prazo, mas pode gerar uma sobrecarga negativa com o passar do tempo, já que essa oscilação seria imperceptível. A pesquisa abordou os sistemas que utilizam geradores de energia tipo 3, chamados “geradores de indução duplamente alimentados”, que correspondem a cerca de 75% do mercado atual, e do tipo 4, chamados “geradores conectados via conversores”, o segundo tipo mais utilizado.
“Conforme a geração eólica passa a ganhar terreno dentro da matriz elétrica, em especial com geradores do tipo 3, começam a ficar evidentes fenômenos de ressonância que podem produzir impactos importantes e desconexões imprevistas, danificando equipamentos da rede e até os próprios geradores”, detalha. Em vista desse quadro, Guillén analisou as configurações dos parques eólicos, como tamanho e aspectos da rede, que podem desencadear ressonâncias.
A partir do diagnóstico, o pesquisador determinou o grau de tolerância dos equipamentos ao fenômeno de forma a facilitar não apenas o gerenciamento dos parques e a mitigação dos problemas, mas também o trabalho dos fabricantes com o objetivo de reconfigurar e aperfeiçoar suas máquinas. “Quisemos montar um conjunto de ferramentas para serem usadas por engenheiros e que apontem quando há risco de ressonância, sem a necessidade de fazer simulações. São ferramentas simplificadas”, destaca Borges.
Brasil na vanguarda
A pesquisa de Guillén ilustra o lugar de destaque ocupado pelo Brasil tanto na geração de energia eólica – o país é sexto no mundo em termos de capacidade instalada – como na produção científica voltada para o setor. “O Brasil está na vanguarda das pesquisas sobre sistemas de potência em nível mundial. Digo aos meus alunos que, se querem estudar o tema, devem ir para o Brasil”, comenta o costarriquenho. O pesquisador atribui o sucesso das pesquisas na área à excelência das universidades e dos institutos de pesquisa, bem como às parcerias firmadas com empresas do setor. “As empresas nos fornecem demandas e nos incentivam a buscar novas soluções e respostas.”
O Prêmio Capes significa mais uma conquista para o grupo de pesquisadores da Feec. “Foi uma grande honra receber o prêmio, mas um trabalho nunca é feito por uma única pessoa”, pondera Guillén, referindo-se a seus orientadores e colegas. Para Borges, o esforço dos pesquisadores é decisivo no desenvolvimento do setor. “Nenhum avanço tecnológico ocorre sem percalços. Se queremos ampliar a participação de geradores de energia eólica, problemas podem surgir e a academia deve estar pronta para contribuir com soluções”, avalia.
Reportagem: Felipe Mateus (Jornal da Unicamp)