Membros do CPTEn participaram de discussões no dia 10 de maio
Representantes do Centro Paulista de Estudos da Transição Paulista (CPTEn) participaram da 3ª mesa redonda no I Workshop do Projeto “Energia Limpa, Vida Sustentável” no último dia 10 de maio. O evento, promovido pela professora Artionka Capiberibe, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, teve o objetivo de mostrar os resultados obtidos após o primeiro ano do projeto interdisciplinar desenvolvido pela Universidade, em parceria com as Universidades Federais do Amapá (UNIFAP) do Oeste do Pará (UFOPA).
Selecionado pela Iniciativa Amazônia +10 com apoio da FAPESP, FAPEAP, e FAPESPA, o projeto busca a promoção do desenvolvimento sustentável na Calha Norte (PA) e Baixo Oiapoque (AP), para realizar pesquisas que gerem esforços no enfrentamento dos desafios regionais. Entre eles, o acesso à energia limpa e demais serviços básicos, considerando que essas duas áreas são extremamente isoladas do resto do Brasil. Busca-se, assim, entender como é possível melhorar a qualidade de vida dessas populações em Terras Indígenas do nordeste amazônico.
Participaram da discussão o diretor do CPTEn, Luiz Carlos Pereira da Silva (FEEC); a pesquisadora de pós-doutorado Danúsia Arantes e a aluna de Engenharia Mecânica Francisca Dulcinéia Gomes. Miqueias Antônio Felicio, agente indígena da saúde do Amapá, também participou do evento.
Luiz deu início à mesa com um relato pessoal de como foi viver sem energia elétrica constante em uma região do atual Tocantins (à época, ainda parte do estado de Goiás) até 1982, quando a rede em sua cidade foi finalmente interligada, possibilitando até mesmo acompanhar a Copa do Mundo daquele ano. Naquele período a região era dependente de geradores a diesel, bastante poluentes do solo, ar e da água, o que ainda é a realidade de parte considerável da população brasileira. A necessidade de manutenção desses geradores e a demora no transporte do combustível até as comunidades dificulta o dia a dia de seus moradores. Luiz comenta que a inconstância no fornecimento de energia, que geralmente dura poucas horas por dia, impede a compra de eletrodomésticos úteis, como geladeiras, freezers, micro-ondas, entre outros.
Esse cenário acaba sendo bastante contraditório com a fartura de possibilidades na geração energética que o Brasil apresenta, o que facilitaria a transição para conjuntos menos poluentes e renováveis. No entanto, recursos financeiros para isso ainda não foram empregados de maneira necessariamente inteligente, como no exemplo da usina de Balbina, no Amazonas, construída na época do regime militar e que é considerada a pior do mundo em termos de geração energética por área alagada. Por conta disso, se faz necessária uma mudança de mentalidade nos processos de geração e distribuição de energia, no Brasil e no mundo.
Dessa forma, os chamados sistemas fotovoltaicos individuais, que atendam pequenas edificações de interesse coletivo, como postos de saúde são alternativas interessantes. No entanto, não basta apenas entregar os painéis e esperar que isso resolva a situação. É preciso ensinar e capacitar as pessoas das regiões interessadas, para que elas consigam adaptar seu uso de acordo com as suas prioridades.
De acordo com o professor, o melhor cenário seria a instalação de sistemas comunitários, considerados como microrredes elétricas. A ideia é que haja uma distribuição mais inteligente, com base nos dados obtidos sobre a utilização da energia nesses locais. Luiz menciona a urgência de se qualificar as políticas públicas, como a proposta de Renda Básica Energética – ainda em discussão no Congresso – entre outros programas, e de se firmar parcerias internacionais para o desenvolvimento de Pesquisa & Desenvolvimento. Para auxiliar nisso, o CPTEn tem preparado um portfólio de projetos para apresentar em Brasília em breve.
Dulcineia contou da experiência no trabalho de campo na Terra Indígena Uaçá, em julho de 2023, quando teve a oportunidade conhecer um pouco da realidade de nove aldeias e fazer o levantamento energético dessas comunidades para entender seu perfil de consumo. Essa coleta de dados teve início em 2021, quando o doutorando da FEEC Rafael Carneiro auxiliou na montagem de módulos fotovoltaicos nos polos bases de atendimento em Kumarumã e Kumenê. Dessa forma, conseguiram identificar as discrepâncias entre as comunidades, e estimar a demanda energética atual e a futura, caso todos tivessem acesso aos aparelhos elétricos que precisam.
Segundo Dulcinéia, esse diagnóstico energético destacou que uma das atividades mais impactadas com o oferecimento intermitente de energia é o ensino, pois dificulta a realização de aulas no período noturno, algo importante para quem quer continuar os estudos, mas precisa trabalhar e se deslocar por grandes distâncias a barco durante o dia.
Já Danúsia pode explicar um pouco mais o conceito de “comunidades de energia”, que é baseado na Lei nº 14.300. A partir de visitas às aldeias, foi avaliada a possibilidade de criação de centros de desenvolvimento locais em, pelo menos, quatro delas, em seus espaços de convivência, ambientes comunitários ou em escolas onde podem ser instalados sistemas fotovoltaicos.
Os pesquisadores também identificaram que Encruzo, com sua localização estratégica (ponto de passagem e parada e interseção entre o mar e diferentes rios), representa importância histórica, social e política. Ali, portanto, veem o potencial dessa aldeia em se tornar um posto de formação para os povos da região, onde poderiam ser ministradas oficinas e cursos de capacitação e treinamento, não só de sistemas fotovoltaicos, mas também de eletroeletrônica básica. Em relação à produção de artefatos, foi feito um mapeamento detalhado entre as aldeias dos tipos de materiais fabricados, como utensílios e artesanato, e em quais localidades existem deficiências energéticas maiores para melhorar essa cadeia produtiva.
Segundo Danúsia, essa experiência de campo foi bastante enriquecedora para toda a equipe, com outros dois aspectos relevantes observados nesse trabalho. O primeiro foi a identificação de lixo eletrônico-tecnológico resultante de instalações abandonadas e em desuso, que poluem e contaminam essas regiões, mas que permanecem ali nas aldeias e poderiam ter seus usos ressignificados. Também a criação de uma lista de pessoas locais interessadas em receber o treinamento adequado para realizar a manutenção dos sistemas fotovoltaicos para, assim, ajudar nas montagens, identificar problemas que precisem ser corrigidos e realizar os devidos consertos necessários, de modo a diminuir a dependência externa.
Um dos primeiros a receber esse tipo de instrução foi justamente Miqueias, último a falar na mesa redonda. Ele relatou sua participação nesse projeto, quando da instalação dos painéis nos polos bases, e como o Rafael se ofereceu a compartilhar conhecimentos sobre os sistemas fotovolvaticos. Miquéias ressaltou a importância de inserir as comunidades indígenas nesse planejamento, pois sente que as informações muitas vezes chegam incompletas até as populações das aldeias.
Sobre a melhoria em seu dia a dia, proporcionada pela energia solar, relatou que agora eles podem armazenar melhor vacinas e insulina nos polos bases de atendimento à saúde, e que equipamentos não se danificam com tanta facilidade, já que não sofrem mais com oscilações no oferecimento de energia e diferenças de voltagem.
O I Workshop do Projeto “Energia Limpa, Vida Sustentável” ocorreu entre os dias 8 e 10 e maio e foi transmitido pelo canal do IFCH no Youtube. Durante os 3 dias do Workshop foi realizada mais uma mesa redonda, sobre repatriação digital, e a realização de um minicurso sobre dados e repositórios, com a ministrante Rose Costa. Também houve exposição de quadro e fotos de Keyla Palikur, e de esculturas de Milton Galibis, além da apresentação de duas peças teatrais do grupo Maiuhi, e performance do grupo musical Keneihu.
Texto: Maria Carolina Ribeiro (bolsista de Jornalismo Científico CPTEn/Fapesp)
Fotos: Maria Carolina Ribeiro e Julia Devito (bolsista de Jornalismo Científico CPTEn/Fapesp)