Trabalho interdisciplinar do CPTEn é tema de reportagem do dossiê sobre Transição Energética da Revista ComCiência
Especialistas apontam que olhar múltiplo para a realidade leva à fronteira do conhecimento
Por Felipe Mateus
Construir uma sociedade mais justa, inclusiva, responsável e sustentável é o objetivo de empresas e instituições alinhadas a princípios que almejam corrigir a rota do desenvolvimento mundial, como a chamada perspectiva ESG (Environmental, Social and Corporate Governance – Governança Ambiental, Social e Corporativa) e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas Nações Unidas. A transição energética vai ao encontro desses princípios ao possibilitar que novas fontes de energia garantam um futuro mais limpo, com maior geração de renda e inclusão social. Para que isso se torne realidade, a interdisciplinaridade deve estar na essência de pesquisas geradoras de inovação.
Fronteiras do conhecimento
A abordagem interdisciplinar é um caminho inevitável para a ciência à medida em que as demandas sociais tornam-se cada vez mais complexas, de forma que se tornam incompatíveis com a configuração tradicional dos diferentes campos científicos. Nas reflexões de Ivani Fazenda, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e uma das principais especialistas do tema no país, o percurso que conduz à interdisciplinaridade ocorre quando cientistas e pesquisadores reconhecem os limites de seus conhecimentos e acolhem a contribuição de outros saberes, facilitando o trabalho em prol de um objetivo comum.
“Interdisciplinaridade é uma exigência natural e interna das ciências, no sentido de uma melhor compreensão da realidade que elas nos fazem conhecer. Impõe-se tanto à formação do homem quanto às necessidades de ação”, reflete a autora em Interdisciplinaridade: qual o sentido?, um dos títulos de sua extensa obra.
Segundo Ivani, a interdisciplinaridade ganhou força enquanto movimento das ciências nos anos 1960, com destaque para as contribuições do filósofo francês Georges Gusdorf e outros pensadores da França e da Itália. Inspirados pela efervescência intelectual do período, o movimento buscava opor-se ao que se considerava um “capitalismo epistemológico” e uma alienação acadêmica à realidade do cotidiano.
O objetivo essencial da abordagem interdisciplinar das ciências seria, então, fazer com que cientistas e pesquisadores abram-se às diferentes realidades, aproximem-se de pessoas que estão fora do campo científico e, assim, modifiquem a realidade por meio do trabalho conjunto. Para Ivani, esse movimento é algo que faz a ciência avançar e chegar à sua fronteira. “O destino da ciência multipartida seria a falência do conhecimento, pois na medida em que nos distanciarmos de um conhecimento em totalidade, estaríamos decretando a falência do humano, a agonia de nossa civilização”, destaca em Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa.
Busca por inovação
O trabalho desenvolvido pelo Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) tem na interdisciplinaridade um de seus pilares na busca por uma inovação que atenda as demandas de um mundo em transformações que vão além do desenvolvimento de tecnologias para produção de energia. A transição buscada pelo centro implica também em uma transformação da ciência, na necessidade de as pesquisas estarem na interface entre áreas diversas do conhecimento. Assim, o acesso à energia garantido por novas tecnologias pode ampliar as possibilidades de geração de renda, acesso a direitos e exercício pleno da cidadania.
Para as empresas que buscam a inovação, a abordagem interdisciplinar também é um recurso cuja importância cresce a cada dia. Segundo Jonathan Boilesen, bacharel em Ciência da Computação pela Unicamp e fundador da consultoria Boilesen Inteligência, a inovação do futuro envolve maior participação de públicos não-especializados ao mesmo tempo em que exigirá a profissionalização dos atores envolvidos nos processos produtivos. “Nesse contexto, a interdisciplinaridade passaria a ser mais e mais fundamental, uma vez que o desenvolvimento de competências criativas depende da interdisciplinaridade. Por isso penso que esta não terá apenas mais espaço, como será o principal meio para a realização de projetos, avalia”.
Segundo Boilesen, é necessário que a busca pela inovação envolva o olhar dado pela academia e pelas empresas para solucionar problemas e demandas coletivas. “Além da integração de conhecimentos enriquecer e agregar valor a essas soluções, sua viabilidade também só se dá através da convergência de necessidades atendidas, em diversos níveis e aspectos do mercado e da sociedade”.
Para Ana Frattini, diretora-executiva da Agência de Inovação da Unicamp (Inova), o ambiente universitário é propício para incutir nas novas gerações de pesquisadores e profissionais a perspectiva interdisciplinar. “A partir dela [da interdisciplinaridade], podemos associar diferentes conhecimentos na busca de soluções inovadoras para situações e problemas do cotidiano. Isso não significa que pesquisas monodisciplinares não gerarão tecnologias inovadoras. No entanto, as interações e o convívio interdisciplinar geram pontes capazes de produzir uma interpretação mais rica dos problemas e soluções mais amplas e diversas”, destaca.
Frattini comenta que o cenário observado pela Inova Unicamp demonstra o quanto novas empresas se mostram inovadoras não apenas por sua especialização em uma demanda específica, mas também por sua capacidade de propor soluções abrangentes e de se adaptar às mudanças que surjam pelo caminho. “Assim como a interdisciplinaridade enriquece a visão de alunos e pesquisadores, ela também é uma importante ferramenta para os empreendedores. Equipes interdisciplinares e diversas colaboram com diferentes visões para se antever a problemas e se adaptar mais rapidamente ao mercado”.
Obras consultadas:
Fazenda, I. C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. São Paulo: Papirus, 1995.
__. Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Paulus, 2006.
Fazenda, I. C. A.; Tavares, D. E.; Godoy, H. P. Interdisciplinaridade na pesquisa científica. Campinas: Papirus, 2015.
Felipe Mateus é jornalista da Secretaria Executiva de Comunicação (SEC) da Unicamp e Gestor de Comunicação do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/3011334295951684